Proliferação de Armas de Impressão 3D Entre Organizações Criminosas na América Latina
Texto publicado originalmente no Militanwire, de autoria de Maria Zuppello.
foto: Xaniken
Desde 2013, quando o estudante da Universidade do Texas e ativista pelo direito às armas Cody Wilson divulgou na internet os esquemas do Liberator, a indústria de armas de fogo de impressão 3D se expandiu de forma global. De acordo com a Comissão Europeia, o mercado de impressões multidimensionais (3D e 4D) está estimado no valor de 9.64 bilhões de euros.
Na America Latina, armas de fogo de impressão 3D, também conhecidas como “ghost guns” (armas fantasma), são relativamente novas dado os atrasos de acesso a tecnologia e os altos custos de importação. Mesmo assim, conforme o tráfico de drogas se torna mais sofisticado, armas de impressão 3D se tornaram um mercado em ascensão permitindo organizações criminosas controlar a produção enquanto reduzem sua dependência de importações dos EUA.
Até então, os EUA, como o maior exportador de armamentos, teve um papel importante em sustentar o fluxo, legal e ilegal, de armas de fogo e munição para America Latina. A região é a mais violenta do mundo, respondendo por 33% de todos os assassinatos no globo. Nas mãos de civis, são 61.900.300 armas convencionais, a mioria dela, não registradas.
As armas de impressão 3D também têm o potencial de superar alguns pontos de entrada importantes de armas ilegais, como o Paraguai, e favorecer uma distribuição mais igualitária de poder as facções criminosas. Como resultado, mais regiões se especializariam no tráfico de armas, e mais organizações criminosas poderiam trafica-las. Já que as armas de impressão 3D não possuem números de série, ou seja, são irrastreáveis, são ideias para criminosos latinos que contrabandeiam cocaína através das fronteiras e precisam manter controle do território de grandes favelasque são pesadamente vigiadas pela polícia.
De todos os países latinos, o Brasil se mostra como o mais interessado em armas de impressão 3D. Em Maio, autoridades descobriram uma fábrica clandestina em Gravataí, cidade próxima de Porto Alegre, no sul do país. O dono produzia e vendia peças de armas de impressão 3D pela internet, em sua maioria kits de conversão Roni que aumentam a precisão e distância de pistolas.
O alto número de assassinatos ligados a armas de fogo no Brasil são um ambiente ideal para as armas de impressão 3D. O Ministério da Saúde do Brasil, estima que 45.000 vidas foram perdidas em 2019, correspondendo a 21.6 por 100.000 habitantes. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que a polícia brasileira confiscou 106.776 armas convencionais em 2019.
No estado de Santa Catarina, a polícia prendeu dois traficantes de drogas de extrema direita em Abril. Na casa deles as autoridades descobriram duas bandeiras: uma Reichskriegsflagee da Alemanha Nazista e uma bandeira do Kekistão - um meme de um país fictício, frequentemente promovido no fórum 4chan - além de balanças de precisão para a pesagem de drogas. Também encontraram uma impressora 3D e um modelo da FGC-9 MK-II (modelo JStark) carregado, instruções de como a imprimir, e uma “Manual Prático de como Ler e Escrever em Russo”.
Março passado, a operação Florida Heat que agiu no Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Miami, Florida, revelou que uma organização criminosa brasileira estava enviando ilegalmente peças de armamento de Miami para o Brasil em container e pelo correio. O destino final era Vila Isabel, no norte do Rio. Uma vez no Brasil, os criminosos montavam as peças usando componentes feitos com impressoras 3D. Ao invés de fazer os componentes, camada por camada, eles usavam os serviços de Armeiros Fantasma, ou uma fresadora CNC de uso geral, que é usada pelos fabricantes de armas fantasma para alinhar e finalizar peças parcialmente construídas, como receptores inferiores. Então, a célula no Brasil vendia o produto final para grupos criminosos locais. Ronnie Lessa, um miliciano acusado de assassinar a ativista Marielle Franco, foi um desses clientes.
Os criminosos brasileiros mandavam dinheiro para os EUA para comprar componentes de armas através de agentes do mercado negro. Então, investiam seus lucros no mercado imobiliário brasileiro, e em criptomoedas, ações, iates e outros veículos de luxo. Autoridades confiscaram bens no valor aproximado de 2 milhões de dólares.
“Existe um grande potencial, especialmente para peças de armas impressas", Bruno Langeani do Instituto Sou da Paz, uma ONG que há anos monitora a proliferação de armas no Brasil, disse ao Militant Wire. “Existe a chance de que as armas de impressão 3D atraiam especialmente organizações criminosas menores para as quais o custo da manutenção de armas de fogo tem sido difícil", dados os custos.” De acordo com Langeani, a impressão 3D vai permitir aos criminosos operar com armas de fogo continuamente. Como resultado, grupos criminosos menores vão aumentar de tamanho e poder e causar mais conflitos territoriais.
Fotos de armas brasileiras totalmente fabricadas por impressão 3D, como a FGC-9, uma carabina semi automática lançada em 2020, rodaram a internet novamente. Elas provavelmente são as primeiras tentativas de grandes grupos criminosos dispostos a inovar, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), o maior grupo criminoso do Brasil, na mira dos EUA desde 2021.
Tráfico de drogas e, como resultado, tráfico de ilegal de armas, também estão em ascensão em outros países da América Latina. Por exemplo, autoridades chilenas recuperaram 924 armas ilegais em 2021, muitas das quais, modificadas.
A primeira arma de impressão 3D foi confiscada no último Novembro. Autoridades descobriram um pacote que chegou de Temuco, em uma região já em um estado de crise. O pacote incluía carregadores de metal e plástico para Ak’s e rifles AR15 e uma pistola de impressão 3D e outros componentes.
“Nós estamos falando de armas e munição de calibre de guerra. A mesma munição usada em ataques contra nossos policias”, disse Rodrigo Delgado, ministro chileno do Interior e Segurança Pública.
Existem casos de latinoamericanos escapando para a Europa por motivações políticas e se tornando fabircantes de armas 3D, como o ex-oficial militar venezuelano que se asilou na Espanha e foi preso em Novembro de 2021, em Tenerife, por operar uma fábrica de armas. A polícia confiscou esquemas de armas, duas impressoras 3D, duas bandeiras, e um coldre de pistola com emblema nazista. As autoridades também descobriram 30 documentos com instruções de como imprimir armas e fazer explosivos caseiros, além de produtos químicos normalmente utilizados para sua fabricação, como nitrato.
“A manufatura aditiva, também conhecida como impressão tridimensional (3D) é uma tecnologia disruptiva que aumenta dramaticamente o risco da proliferação de armas permitindo o acesso a organizações criminosas e terroristas”, a polícia declarou, citando um ataque que ocorreu em 2019 em uma sinagoga alemã, por um neo-nazista que, é preciso pontuar, fez uma arma de forma artesanal, e não uma arma de impressão 3D.
Existem indicativos de recepção de armas de impressão 3D mesmo no México. Andrew Scott Pierson, um homem de Oklahoma, foi sentenciado a 12 anos de prisão em Abril, por envolvimento com o tráfico de armas para cartéis mexicanos. Pierson , em Nova Laredo, Mexico , comprou e recebeu peças de armas de fogo dos EUA e as usou para montar armas automáticas para o Cartel Del Noroeste (CDN) e Cartel Jalisco Nueva Generacion (CJNG) no México, usando impressoras Ghost Gunners.
Em Guardalajara, Jalisco, uma fábrica clandestina de armas de impressão 3D foi encontrada e desativada em 2015. CJNG operava o negócio e produziu fuzis AR-15, um modelo popular entre os cartéis.
México é o quinto maior mercado de armas ilícitas do mundo, com mais de 13 milhões de armas ilegais. Quase 70% delas tem origem nos Estados Unidos, onde gangs mexicanas vendem drogas e importam armas através das mesmas rotas.
Um relatório do Escritório de Transparência do Governo (GAO) revelou que grupos mexicanos estão traficando peças e componentes de armas, dificultando as tentativas das autoridades de impedirem o contrabando de armas de fogo dos estados Unidos para o México e América Latina. O contrabando de peças, em particular, é terreno fértil para o uso ilegal de impressoras 3D para montar as partes.
Informação compartilhadas na internet sobre como imprimir armas de fogo tem crescido no mundo todo. Mesmo que os arquivos do site de Cody Wilson, Desfense Distributed, não estejam disponíveis para download, outros sites oferecem serviços similares como Yeggi, Thingiverse, Thegalatog.
Além disso, para evitar o preço da importação das impressoras 3D, muitas empresas da América Latina, como Cliever Tecnologia no Brasil ou 3D print Bolivia, começaram a desenvolver impressoras 3D de baixo custo.
Tecnologias se desenvolvem em vácuos legislativos desde que não existem regulamentações legais e pouco debate na América Latina. Armas de impressão 3D já são ilegais na Europa e permanecem em um limbo legal nos EUA. É permitido imprimir armas de fogo, mas elas devem incluir algum componente de metal, para aparecerem nos detetores de metal. Na América Latina, o silêncio legislativo geralmente é acompanhado de campanhas pró armas, como no caso do governo Bolsonaro.
Esse limbo legislativo é uma grave ameaça a segurança do público. É difícil mensurar o quão sombrio, o lado sombrio das armas de impressão 3D pode vir a ser, novas atividades criminosas serão possíveis no longo prazo como a fabricação de explosivos, tráfico de drogas 3D, órgão humanos, cédulas falsas de impressão 3D. Skimmer, que são leitores de cartão falsos conectados em terminais de pagamento reais que estelionatários usam para roubar informações da faixa magnética de cartões de crédito e débito, poderão também ser impressos, para citar mais um uso malicioso das impressoras 3D
Rastrear e monitorar a importação e o mercado das armas de impressão 3D deveria ser uma prioridade até que leis específicas sejam criadas para mitigar os riscos desse mercado não regulado. O download de plantas de armas tambpem deveria ser restrito.